segunda-feira

Artigo de opinião: "O que tem de explodir e o que tem de implodir?"


Em altura de crise, não se pode ter tudo. Cavaco Silva, cujos governos não hesitaram em deixar subir o défice quando necessário, sabe isso.

Cavaco Silva alertou, no seu discurso de ano novo, para a combinação potencialmente "explosiva" de desemprego, endividamento externo e desequilíbrio das finanças públicas. Não sei o que é que vai explodir, embora me pareça desejável que os trabalhadores resistam colectivamente a pagar a crise causada por um sistema iníquo, mas sei que é necessário implodir o hipócrita pensamento mágico que parece ter tomado conta de Belém.

Numa altura de crise não se pode ter tudo. Cavaco Silva, cujos governos nunca hesitaram em deixar subir o défice público quando foi necessário, sabe isso. Também sabe que a recuperação das exportações está dependente da capacidade dos outros governos de dinamização das suas economias, que a competitividade é minada por um euro forte e pela ausência de instrumentos de política que compensem a perda da política cambial e que o endividamento externo, fundamentalmente privado, ocorre numa União onde a maior economia, a Alemanha, decidiu apostar num modelo exportador à custa das periferias: os excedentes da Alemanha são os défices de outros. Como assinalou Martin Wolf, do "Financial Times", esta desgraça das periferias europeias é o resultado de uma integração europeia mal configurada e sem mecanismos de impulsão da procura.

O que quer realmente Cavaco Silva? Consolidar o discurso económico hegemónico para assim ter uma estrada real para a recandidatura presidencial. O economista Vítor Bento, a quem Cavaco, tarde e a más horas, ofereceu o lugar do seu companheiro Dias Loureiro no Conselho de Estado, ou o economista Daniel Bessa tornam explícitas as duras opções propostas pelas elites económicas que se escondem no mágico discurso presidencial: cortar salários para promover as exportações, conter o investimento público e transformar o Estado Social num Estado assistencialista para quem não tem mais alternativas, através da continuação das privatizações que Cavaco iniciou.

Uma prescrição coerente e pactuada para o desastre socioeconómico. Mas, no fim de contas, quem apostou na convergência nominal, no quadro da aceleração mal conduzida da integração europeia? Quem assim contribuiu para uma sobreapreciação duradoura da nossa moeda, que muito enfraqueceu a competitividade do sector de bens transaccionáveis, num período de transição crucial e orientou muito do investimento empresarial para o sector de bens não -transaccionáveis, como foi o caso da construção? Quem foi responsável pelo brutal aumento das desigualdades, que torna o discurso de unidade nacional uma fraude? Tantas perguntas, tão poucas respostas. Cavaco sabe que faz política num país amnésico. Este é aliás um dos segredos do sucesso do antigo professor de Finanças Públicas.

Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

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