Um “novo” jornal surgiu em Nisa, retomando o título do quinzenário que foi publicado durante quase 11 anos e ao longo de 265 edições.As explicações para o reaparecimento do jornal - cujo título foi adquirido por 15 mil euros pela ADN/Câmara de Nisa – surgem, no primeiro número, nas palavras de Gabriela Tsukamoto, presidente da autarquia , de uma forma que não convencem ninguém e atestam, aliás, a dependência do jornal em relação à Câmara.
Diz a senhora Tsukamoto que “ a ADN adquiriu a propriedade do Jornal de Nisa, porque se corria o risco de o jornal ser comprado por alguém de Portalegre, o título em si, e o concelho perder esse título”.São autênticas “lágrimas de crocodilo”, desde logo porque o título do jornal não pertencia a pessoa ou entidade do concelho de Nisa e quem o detinha era, justamente, uma empresa de Portalegre, a Publiarvis.
O que fez correr Gabriela Tsukamoto e a “sua” extensão ADN, de que é, igualmente presidente, com poderes “leoninos”, não foi a possibilidade de o título ser comprado “por alguém de Portalegre”, mas, sim, o “perigo” de que o jornal, em ano de eleições autárquicas, retomasse a publicação e mantivesse a sua linha editorial regionalista e independente, sem medo de afrontar a Câmara e as suas extensões políticas, denunciando as situações menos claras protagonizadas pela autarquia e continuando a dar viva voz aos munícipes do concelho sobre os problemas com que são confrontados diariamente, muitos deles oriundos da própria autarquia.
A “nova era” da informação local, como apregoa o jornal da Câmara de Nisa, no primeiro número, mais não é do que uma “era”, já velha, gasta e com barbas, de aproveitamento de um órgão de imprensa escrita para fins eleitorais e propagandísticos, em ano de eleições, ainda por cima, pago com o dinheiro dos contribuintes e dos munícipes do concelho e feito, quase exclusivamente, por funcionários camarários.
A Câmara de Nisa tem direito a ter um jornal, a ter “agendas culturais” que de pouco ou nada servem, a não ser como sorvedouros de dinheiros públicos, tal a “pobreza franciscana” existente nesta área, ou mesmo “boletins municipais”, nos quais apenas a presidente tem direito a opinar nos editoriais e a discriminar os munícipes do concelho, dividindo-os em “velhos do Restelo” (os “maus”, que criticam as obras na Praça da República, os elefantes brancos como o da Barragem do Fratel ou os crimes ambientais cometidos no concelho) e os apoiantes da ordem estabelecida (os “bons”, atentos, silenciosos e reverentes).Eu próprio recebo, semanalmente, muitos “boletins municipais” vindos de diversas Câmaras e Juntas de Freguesias do país, alguns bem feitos, tanto do ponto de vista gráfico, como até, de conteúdo. São todos gratuitos e se, nalguns, a profusão de fotos dos presidentes de Câmara chegam a enjoar, noutros, há a preocupação de um relativo bom senso naquilo que divulgam das actividades das respectivas autarquias.
O que nenhum “boletim municipal” faz é enganar os destinatários, os leitores. Quem os recebe e lê sabe que está perante propaganda, divulgação, de obra feita ou por fazer, estudos e projectos da autarquia. Lê-os e analisa-os nessa perspectiva. Não lhe dão “gato por lebre”, aliás, alguns boletins (tais como os jornais) permitem num dado momento (após meses, anos ou décadas) confrontar as promessas e realidades.
O Jornal de Nisa, não o da Câmara de Nisa, num espaço temporal de mais de dez anos, permite, também, analisar, agora, os discursos de muitos políticos, as tomadas de posição no órgão camarário e até, imagine-se, algumas ilegalidades cometidas por alguns vereadores e que resultaram em prejuízo, moral e financeiro, para a autarquia.No “novo” jornal e na “nova era” da propaganda Tsucamónia, não haverá “guerras das esplanadas”, “bronca nos combustíveis”, Etars a deitar os esgotos directamente para o Sôr ou o Figueiró, nem crimes de lesa património.
Tão pouco se falará nas vias de comunicação por concluir, no estado lastimável e vergonhoso da Rua da Póvoa, no Duque ou no estado deplorável e de abandono a que chegou o Centro Histórico de Nisa.Não se percebe, por isso, tamanha obsessão da Câmara por um título de jornal “maldito”, a quem a autarquia sonegou apoios e publicidade institucional, na vã tentativa de o amordaçar ou de o converter na “voz do dono”, que, agora, acabou por criar e pago por todos nós, munícipes do concelho.
A senhora Tsukamoto está, porém, esquecida de uma coisa: nem todos os Nisenses vivem na Zombielândia. Muitos ainda têm memória, consciência cívica, social e política, para não deixarem que esta terra regrida ainda mais do que já regrediu, em nome de uma “mudança” que nada lhe acrescentou de positivo, a não ser, o endividamento e a implantação de alguns projectos megalómanos.
Mário Mendes